Sala branca, tapete ao centro, duas poltronas com almofadas e, ao lado de uma delas, uma mesinha com caixa de lenços de papel. “O que te trouxe até aqui?”. Esta é a primeira pergunta que todo psicólogo faz ao começar a sessão com um novo paciente e, independente da resposta, o sentimento é o mesmo: angústia. “Alguns vão estar angustiados com o corpo, com dívidas, com relacionamento, trabalho, escola, mas sempre será uma angústia”, revela o psicólogo Thiago Zazatt, 42.
No dia Nacional da Psicologia, 27 de agosto, o profissional narra que a sociedade tem compreendido melhor o papel destes profissionais, mas ainda é preciso avanço. Para ele, a pandemia foi um marco na mudança de entendimento das pessoas em relação à terapia e cuidado com a saúde mental. Naquele período, o isolamento social foi imposto e várias outras medidas que restringiram o contato interpessoal.
“Depois da covid-19 as pessoas despertam mais para aquilo que é da saúde mental, aquilo que é do pensamento, do sentir, do vivenciar o luto. Temos essa sensação dentro da clínica, de que existe uma conscientização que vem da própria mídia, dos meios de comunicação, para que as pessoas busquem esse tipo de ajuda”, argumenta.
Zazatt relembra que, além das pessoas não saírem de suas casas, na época, os velórios eram inexistentes ou com cerimônias muito curtas. A limitação das despedidas criou um “luto tardio”, quando pessoas não viveram suas perdas. Resultado: a interrupção de um processo que demorou anos para cicatrizar.
Em dado momento, quando as medidas de isolamento social foram afrouxadas, as consultas online se tornaram presenciais. Um fato marcante foi o dia da “retirada das máscaras”, cerca de um ano e meio depois, quando as primeiras vacinas foram aplicadas. O terapeuta lembra com emoção de ver pela primeira vez os rostos de pacientes, que, por muito, tempo conheceu apenas pelas telas e com máscara no rosto.
O psicólogo narra que ao longo de seus 6 anos de atendimento, o momento mais marcante é quando os pacientes se abrem pela primeira vez de verdade, mesmo após dezenas de sessões, ao atingir confiança no profissional, o que geralmente ocorre em um momento de explosão de emoções.
“Ele não sabe se chora ou se fala e finalmente se sente leve, como se tivesse esvaziado tudo que ele tem arrastado durante muito tempo. Eu digo aos meus pacientes que é muito mais fácil carregar um fardo, do que arrastar. Quando eles percebem que finalmente podem carregar só o que conseguirem, olham o problema de outro ângulo. Isso deixa o terapeuta emocionado e é libertador para o paciente”, expressa.
Reconhecimento na sociedade
Para o profissional, a data reforça a importância da luta pelo reconhecimento da profissão, uma vez que considera a formação, ainda no âmbito acadêmico, uma das mais exigentes para os estudantes, assim como de outras áreas da saúde e também pela difusão da psicologia em vários meios, como a psicologia hospitalar, escolar, organizacional e clínica.
“É uma comemoração digna por se tratar de um dia especial que a gente lembra da profissão. Onde houver pessoas, deverá haver saúde mental também. O psicólogo cabe em todos os contextos, escolar, judiciário, em qualquer âmbito profissional, cabe um psicólogo, e a valorização tem de acompanhar essa busca”, cita.
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Thiago Zazatt
Para ele, uma das principais lutas da categoria é atualmente a da jornada de trabalho de 30 horas semanais, tanto dos psicólogos contratados quanto dos que fazem parte do serviço público. Outro ponto é sobre a visibilidade da luta antimanicomial, pela integração dos indivíduos sem distinção de raça, cor, gênero, etnia, idade.
Zazatt ainda menciona que mitos e preconceitos referente à psicologia têm sido quebrados, como, por exemplo, que psicólogo é para “doidos”, ou que é apenas uma “conversa” que poderia ser feita em um bar, ou que o psicólogo vai resolver todos os problemas do paciente.
Além disso, reforça que não existe um prazo ou período definido para a frequência ou totalidade das sessões, o que vai variar conforme cada paciente e suas necessidades.
“O paciente vem no auge da sua angústia, às vezes ele descarrega chorando, às vezes rindo e quando o tempo acaba, ele se sente um pouco mais leve, porque deixou alguns fardos por aqui e vai viver a vida por uma semana até voltar de novo. Esse ciclo vai ser repetido até que faça sentido não estar mais aqui. É bonito a gente perceber quando finalmente a mágica acontece. A gente não sabe em qual sessão vai acontecer, mas de repente, num dia, o paciente entende porque tá ali. Para o terapeuta eu acho que esse é o momento mais fantástico que existe. Quando a gente percebe que finalmente o paciente se encontrou”.
Dia do psicólogo
A psicologia chegou ao Brasil no início do século XX. No entanto, foi regulamentada como profissão a partir da publicação da Lei nº 4.119, em 27 de agosto de 1962, pelo presidente João Goulart. Em 1971, por meio da Lei nº 5.766, foram criados o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia, que constituem o Sistema Conselhos de Psicologia.