Justiça do Mato Grosso negou o pedido de condenação da ex-deputada estadual Luciane Bezerra em uma ação por suposto mensalinho na Assembleia Legislativa (ALMT). A decisão, proferida pela Vara Especializada em Ações Coletivas da Comarca de Cuiabá, rejeitou as acusações de que a ex-parlamentar teria recebido propina mensal durante seu mandato, entre 1º de fevereiro de 2011 e 31 de janeiro de 2015. O Ministério Público de Mato Grosso (MPE) pedia o ressarcimento de R$ 9 milhões, valor atualizado do suposto desvio. Decisão consta no Diário de Justiça desta quinta-feira (4).
A ação do MPE visava à condenação da ex-deputada por supostamente ter recebido 48 parcelas mensais de R$ 50 mil. totalizando R$ 2,4 milhões, provenientes de recursos públicos desviados da Assembleia Legislativa, por meio de contratos simulados com empresas de diversos ramos.
Uma parte crucial da acusação fundamentava-se em declarações de colaboradores premiados, como o ex-deputado estadual José Geraldo Riva, que teria revelado o esquema de recebimento da "propina mensal". O Ministério Público apresentou documentos como portarias de instauração de inquérito, esquemas de pagamento de propina, planos de pagamentos mensais, atestados de recebimento de gasolina e materiais, além de notas promissórias e comprovantes de transferência de valores.
No entanto, a sentença destacou a importância da "regra de corroboração", um princípio jurídico que exige que as declarações de colaboradores premiados sejam confirmadas por outros elementos de prova, externos ao próprio depoimento do delator. Conforme a decisão, "o depoimento do colaborador necessita ser corroborado por fontes diversas de prova, evidente que uma anotação particular dele próprio emanada não pode servir, por si só, de instrumento de validação". O Supremo Tribunal Federal (STF) reforça que, sem corroboração independente, a delação premiada é insuficiente para uma condenação por ato de improbidade.
A análise do caso pela Justiça apontou para a ausência de provas robustas que confirmassem as acusações contra Luciane Bezerra. A sentença afirmou que "não foram produzidas provas quanto às quantidades reais de consumo no gabinete da requerida, nem de custo superfaturado ou mesmo da ausência de efetiva entrega de cada material". Além disso, os relatórios e atestados de recebimento de materiais, embora assinados pela então deputada, "não comprovam recebimento do denominado mensalinho pela requerida".
A decisão ressaltou que o simples recebimento de materiais, sem comprovação de superfaturamento ou não entrega, não configura ato de improbidade. O Ministério Público não conseguiu apresentar elementos que demonstrassem desvios específicos ligados à ré. A alegação de que o "mensalinho" foi pago em espécie (dinheiro físico) e a comprovação de seu recebimento também não foram confirmadas.
Outros testemunhos e declarações de colaboradores, como Silval Barbosa e Pedro Jamil Nadaf, também foram examinados. A Justiça concluiu que os documentos e depoimentos apresentados, vistos isoladamente, não comprovaram a participação da ex-deputada nos fatos narrados.
A corte enfatizou a necessidade de comprovar o "enriquecimento ilícito" ou o "dano ao erário" (prejuízo aos cofres públicos). 0 ônus da prova (responsabilidade de provar os fatos alegados) recai sobre o Ministério Público para demonstrar esses elementos, mas, conforme a decisão, "não se desincumbiu do ônus de comprovar o recebimento pela requerida de vantagem indevida".
Diante da insuficiência probatória, a Justiça julgou improcedentes os pedidos formulados na ação contra Luciane Bezerra. Como consequência, foi determinada a "o levantamento das eventuais ordens de indisponibilidade em face da requerida" (liberação dos bloqueios de bens que haviam sido impostos).